O médico, investidor e fundador da Adavium Medical, Fred Aslan, defende que a tecnologia não vai tirar o conhecimento, experiência e nem autoridade dos médicos.

As novas tecnologias, em particular a inteligência artificial, estão longe de substituir um médico ou desprezar a experiência humana dentro do setor de saúde. O maior potencial delas está em ajudar a resolver um problema crônico enfrentado por laboratórios e hospitais: a desconexão de informação. A visão é de Fred Aslan, médico e fundador da Adavium Medical, empresa brasileira de equipamentos médicos e diagnósticos. Para Aslan, a decisão tomada dentro do setor é feita de forma pouco eficaz, já que as informações dos pacientes são coletadas e permanecem “em silos”. A situação gera duas problemáticas: o médico trabalha de forma solitária e o sistema de saúde, como um todo, perde eficiência e a oportunidade de reduzir custos. É algo que ocorre no mercado global — no Brasil ou nos Estados Unidos. E uma situação para a qual diversas empresas estão olhando.

Formado em biologia na Duke University, em medicina em Yale e com MBA em Harvard, Aslan construiu sua carreira “na intersecção entre negócios e saúde”. O brasileiro que foi morar nos Estados Unidos para estudar, trabalhou em consultorias (como o BCG) e no tradicional fundo Venrock, um dos primeiros investidores da Apple e da Intel. Por cerca de dez anos, seu trabalho estava focado em avaliar novas tecnologias médicas para o fundo investir. Baseava sua análise na ciência daquela tecnologia, bem como no seu custo monetário — o benefício gerado ao cliente e o custo gerado ao sistema de saúde. Hoje, Aslan atua como conselheiro da BayBrazil, auxiliando empreendedores que buscam inovar no setor e conectando-os ao Vale do Silício. À frente da Adavium, seu trabalho é vender produtos médicos a “dois Brasis”: aquele que consome tecnologia de ponta e aquele que precisa de soluções novas a um custo barato. Na prática, é oferecer no mercado aquilo que as multinacionais não conseguem ou não têm interesse.

O que significa inovar no setor de saúde hoje — é uma questão de desenvolver novos equipamentos ou pequenas incrementações?
Ambos. No campo da demartologia, por exemplo, é descobrir que ondas de laser diferentes provocam efeitos diferentes no tecido humano — e desenvolver tecnologias para cada uma delas. Os lasers são utilizados para tudo que é procedimento dermatológico — seja no tratamento de doenças como rosácea, vitligo, cicatrizes ou até rugas. Mas inovar também é conseguir oferecer essas novas tecnologias de uma forma acessível. Quando um novo laser é descoberto, muitas vezes as pessoas vendem o equipamento completo. No final, fica muito caro ter acesso a cada laser descoberto. No Brasil, nós construímos um equipamento que oferece vários tipos de laser, o que diminui o custo para adquirir cada nova tecnologia.

E na área dos laboratórios?
Na área dos laboratórios clínicos, inovar é trazer um produto ou equipamento para as milhares de empresas pequenas e médias do setor. Isso porque as multinacionais, como uma Dasa por exemplo, acabam tendo um volume muito grande por vender somente para os grandes laboratórios (cerca de 300 no país). Por esta razão, os produtos de forma geral acabam ficando muito caros para os menores. Considerando a inovação dentro dos laboratórios grandes, é conseguir identificar marcadores novos. Todo ano se descobre novas proteínas no sangue que ajudam a detectar câncer mais cedo, que ajudam a analisar se uma pessoa que está com dor no peito está tendo ataque cardíaco, que ajudam a saber se uma pessoa corre risco maior de desenvolver uma doença mais para frente. Parte do nosso esforço é identificar marcadores novos e possibilitar que os exames estejam disponíveis para a população.

Qual a diferença entre o mercado de saúde do Brasil e o dos Estados Unidos? Estamos muito atrasados?
A maior diferença é que nos Estados Unidos gasta-se em média 10 mil dólares em saúde por pessoa. No Brasil, essa média é de mil. Por aqui, temos dois segmentos bem claros — um que tem acesso à saúde de uma forma bem parecida ao que americano tem no sistema privado. O segundo é aquele das pessoas que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS), que precisam de um atendimento mais barato e que, geralmente, têm acesso a produtos de qualidade inferior. São dois Brasis, portanto, com que nosso negócio precisa lidar. Aquele que quer e pode absorver tecnologia de ponta e aquele que precisa de soluções boas a um preço mais acessível.

Diante da crise econômica que o país enfrentou, a demanda por produtos médicos tem crescido no Brasil?
Muito. O setor de saúde, de certa forma, acaba sendo mais protegido contra efeitos negativos da economia. O Brasil está em uma situação onde a população está envelhecendo e, portanto, a demanda por produtos médicos aumenta. As últimas projeções mostram que entre 2015 e 2050 a população de mais de 45 anos vai dobrar. É um crescimento três vezes mais acelerado do que nos Estados Unidos. E essa faixa etária é que mais consome produtos médicos.

Quais dificuldades seu negócio enfrenta para atender a essa demanda?
São três barreiras principais. A primeira é regulatória. A Anvisa, embora mais rápida do que era há alguns anos, ainda demora para aprovar os produtos. Dependendo do risco, é um processo que pode levar de seis meses a até dois anos. E, diferente dos EUA, quando um produto já foi aprovado em seu país de origem, a Anvisa precisa realizar uma nova análise e aprovação. O segundo gargalo é o alto custo de capital — enquanto nos EUA você pode financiar um equipamento médico com juros de 5% ao ano, no Brasil, os juros podem chegar a 20%. O equipamento, portanto, fica caríssimo. O terceiro gargalo é a burocracia existente no transporte de mercadoria. Diferente dos EUA que funciona como um lugar só — podendo vender de estado para estado sem dificuldade fiscal — no Brasil, a estrutura exige dezenas de notas de entrada e saída apenas se você se move de estado. É algo bastante complexo.

Quais as tecnologias desenvolvidas nos EUA que te animam no setor de saúde?
As tecnologias que permitem a uma pessoa editar seu genoma — aquilo que chamamos de DNA CRISPR— e, assim, ser possível curar doenças como o câncer por exemplo. Há estudos promissores nessa área que focam em inserir ou retirar informações do DNA para prevenir certas doenças. Outras inovações que me animam são aquelas situadas no campo da tecnologia de informação. O sistema de saúde hoje é muito burocrático e não tão eficiente como deveria ser por falta de informação. Há muitas empresas que tentam agregar mais informações sobre como medicamentos são utilizados, quais pessoas mais indicadas para um tipo de tratamento, onde tem desperdício no sistema. Informações que ajudam a tomar decisões que podem diminuir o custo do sistema.

Você acha que, de certa forma, o médico ainda continua isolado e exercendo um trabalho solitário?
Sim. Muitas coisas dentro do sistema de saúde são feitas do modo mais manual, a partir de pouca informação, por alguém que está sentado diante de uma planilha. Muitas das decisões dependem da experiência do médico de olhar aquilo que está disponível no momento, que é algo bem pontual, para dar um veredicto sozinho. A inteligência artificial, por exemplo, vem como parceria, para ajudá-lo, para casar as informações que hoje estão em silos no hospital. Pense em um radiologista avaliando a tomografia sozinho. Ao invés dele ficar olhando para 50 lâminas diferentes para fazer uma análise, você pode colocar um algorítimo que fará isso e o alertará: ‘identifiquei três ou quatro fatos estranhos, foque neles’. O médico poderá gastar muito menos tempo na análise e trabalhar de uma forma mais inteligente do que comparar manualmente várias lâminas. Essas tecnologias não vão substituir a autonomia, autoridade e conhecimento do médico.

FONTE: Época NEGÓCIOS